
Mães e pais que perdem seus fetos de forma indesejada são pouco ou quase nada acolhidos e vivenciam um luto não reconhecido
Segundo reportagem do jornal O Globo, uma em cada quatro gestações acaba em morte fetal, ou seja, em aborto espontâneo ou no período perinatal (após 22 semanas de gravidez). Pais e mães que perdem o feto de forma espontânea, porém, são pouco ou nada acolhidos. Há hospitais que entregam o bebê para sepultamento em sacos plásticos pretos. Como diz a reportagem “instituições médicas, profissionais de saúde, a legislação e até a sociedade fecham os olhos para o luto gestacional”. É urgente ampliar o debate, mudar comportamentos e acolher quem passa por essa dor devastadora.
Na reportagem, o jornal aborda o delicado e acolhedor protocolo canadense que inclui como deve ser a atuação da equipe médica junto à família, como acomodar e o mais importante: como criar memórias que possam ajudar na elaboração da dor. O hospital prepara uma espécie de caixa de memórias, com uma mecha do cabelo do bebê, coleta das digitais, pulseirinha, roupinha e uma foto dele. Se a família não quiser pegar a caixa naquele momento (impedidos pela dor), ela é guardada para o momento em que desejarem resgatá-la.
Imagine que quando você perde alguém com quem já conviveu, você terá memórias para relembrar. Momentos únicos que não se apagarão. Quando se perde uma bebê na gestação, essas memórias inexistem, apenas sonhos que não se concretizaram, projeções e expectativas que se dissolveram. Nada mais cruel do que ouvir frases como “vocês são jovens”, “vocês podem ter outros filhos”, “você é saudável e pode tentar outra vez” (para a mãe). Na tentativa de ajudar, as pessoas tornam a dor ainda mais intensa, acentuando sentimentos como culpa e incapacidade: a pessoa começa a crer que não deveria sentir o que está sentindo ou sente-se culpada por não ter conseguido proteger aquela criança e trazê-la ao mundo.
O Prof. Dr. Kenneth J Doka, uma das maiores referências mundiais sobre temas relativos a morte, morrer e luto, aborda o luto gestacional como um tipo de “luto não reconhecido”, ou seja, quando o luto existe, mas a sociedade e quem convive com a pessoa enlutada não o reconhece, não compreende e por isso não acolhe o enlutado como deveria. Com longa experiência clinicando e em seus estudos, Doka pôde observar as diferentes formas como o luto não reconhecido, e entre eles, o gestacional, pode afetar uma pessoa. Ele relata, por exemplo, o caso de uma mulher que sentia dores em seus braços, sem uma explicação médica para isso. Pois a dor foi gerada pelo fato de ela não ter carregado o filho em seus braços, em virtude de uma perda gestacional.
Assim, o luto gestacional requer cuidados especiais com os enlutados pois pode acarretar consequências futuras e importantes para os pais, seu relacionamento e como cada um vai elaborar sua dor e retomar a vida (movimento que deve ser de dentro para fora e no tempo de cada um).
A busca por um ritual que marque a despedida do feto, a composição de uma caixa de memórias, a compreensão de que laços não são firmados apenas pelo tempo de convivência entre as pessoas, mas que vão muito além disso, a “permissão” pela sociedade e das pessoas de convívio dos enlutados para que estes possam chorar sua dor livre de julgamentos, rótulos e pressões para que se recuperem rápido e “retomem” a vida são algumas das orientações para apoiar pais que vivenciam essa dor. E finalmente, sempre relembrar que conexões entre pais e filhos que se amam – mesmo com aqueles que não puderam vir a este mundo – são eternas e verdadeiras e, por isso, devem ser respeitadas.
Link para a matéria do O Globo: https://oglobo.globo.com/celina/luto-perinatal-dor-silenciosa-de-maes-que-perdem-seus-bebes-ainda-na-barriga-23639528
Saiba mais sobre luto parental na videoaula “Luto parental: o enfrentamento da perda de um filho”, com a Dra Gabriela Casellato: https://www.onelifealive.org/shop/luto-parental-o-enfrentamento-da-perda-de-um-filho-dra-gabriela-casellato/
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